a problemática dos feedbacks no ambiente corporativo e a crescente hipersensibilização da força de trabalho

Publicado em 19/09/2024 por Patrick Coutinho

Recentemente, temos acompanhado notícias acerca de debates sobre projetos de legislações que, dentre outros temas, visam estabelecer uma idade mínima para que um jovem possa acessar plataformas de redes sociais.

Longe de servir como um obstáculo à livre manifestação de pensamento, esses instrumentos normativos buscam proteger os jovens contra os efeitos negativos das redes sociais sobre a sua saúde mental, autoestima e capacidade de avaliar criticamente a realidade em seu entorno.

A constante comparação, a necessidade urgente de aceitação, o medo de errar e ser cancelado são consequências da influência gerada por fatos distorcidos, estilos de vida inexistentes, ou 'tendências' publicadas diariamente nas redes sociais.

O número crescente de casos graves de ansiedade, depressão e até atentados contra a própria vida são evidências desse cenário preocupante que, igualmente, tem prejudicado a força de trabalho de todos os países mas, talvez, em especial, daqueles considerados subdesenvolvidos.

A intersecção entre a demanda por validação nas redes sociais e os prejuízos ao pensamento crítico é evidente. O ambiente digital atual não só influencia como os jovens consomem informação, mas também molda suas identidades e interações sociais provocando sobre essas pessoas um estado permanente de hipersensibilização, a qual tem efeitos profundos nas relações de trabalho e no ambiente corporativo, criando desafios significativos para a saúde mental dos colaboradores e para a eficácia organizacional.

Não é por acaso o aumento de reclamações sobre espaços que supostamente não são acolhedores, não têm flexibilidade, e afastam os jovens trabalhadores em razão do rigor 'antiquado' e excessivo que é aplicado pelo empregador no estabelecimento de metas e feedbacks.

As metas são estabelecidas de forma a convergir os interesses dos empregados com os objetivos primordiais da organização, sejam elas públicas ou privadas. Por consequência, admitindo-se que todas as metas são instrumentos sérios para se atingir um resultado importante, é inquestionável a necessidade da presença de rigor na cobrança das metas, sem, obviamente, extrapolar os limites da razoabilidade e do respeito no ambiente de trabalho.

As metas estabelecidas devem ser claras, mensuráveis e objetivamente alinhadas com a função de cada colaborador. Empresas que dependem de alta performance, legitimamente, exigem que seus colaboradores estejam alinhados com os objetivos estratégicos da organização. Portanto, a criação de metas é, igualmente, um método eficiente de desenvolver o potencial de cada colaborador, promovendo seu crescimento profissional e assegurando o alcance de resultados tangíveis.

O feedback, por sua vez, é uma prática reconhecida e recomendada pelas melhores práticas de gestão. O objetivo dos feedbacks oferecidos pelo superior hierárquico deve sempre ser o de instruir os colaboradores sobre como melhorar suas atuações, corrigir erros e aprimorar suas habilidades, como forma de contribuir tanto para o desenvolvimento pessoal quanto para o sucesso da organização. O feedback construtivo é essencial para que o colaborador tenha conhecimento de suas áreas de melhoria e possa evoluir profissionalmente.

O implemento de metas e feedbacks são, portanto, ferramentas de gestão e não visam, sob qualquer hipótese, punir ou pressionar os colaboradores de forma desarrazoada, mas sim garantir o cumprimento de objetivos organizacionais essenciais para a competitividade e sustentabilidade do negócio.

Nos últimos anos, no entanto, conforme antecipado no início do texto, tem-se observado uma transformação significativa nas dinâmicas sociais, em parte impulsionada por uma combinação de fatores como a marginalização de importantes parcelas da sociedade, especialmente no que tange à educação e à capacitação de qualidade e o crescente e ilimitado acesso às redes sociais sem moderação de conteúdo, regulação e fiscalização.

A lacuna deixada pela falta de uma educação que privilegie o desenvolvimento do pensamento crítico atinge fortemente uma faixa enorme da força de trabalho que tem como hábito (ou vício) passar horas interagindo com plataformas digitais diversas e tem deixado muitos destes indivíduos vulneráveis à influência negativa decorrente do consumo excessivo e desinformado de conteúdo nas redes sociais.

Estudos em psicologia organizacional indicam que indivíduos com menor capacidade de pensamento crítico tendem a reagir de maneira mais defensiva a feedbacks, por interpretarem as críticas como ameaças ao seu valor pessoal, ao invés de oportunidades de crescimento. A ausência de filtros críticos torna as pessoas mais suscetíveis à interpretação com viés emocional de situações que, em um ambiente dirigido ao resultado, deveriam ser vistas como objetivas e construtivas.

Paralelamente, como fator agravante, o uso excessivo de redes sociais tem desempenhado um papel central na formação de uma cultura de hipersensibilidade. Plataformas como Instagram e TikTok criaram um ambiente onde a validação constante é buscada, e onde o confronto com ideias discordantes ou críticas é frequentemente evitado ou combatido com ataques emocionais. A cultura de 'likes', de um lado, e 'cancelamentos', do outro, tem contribuído para a formação de uma mentalidade imediatista e frágil, em que o desconforto é temido a todo custo, e o feedback é visto como um ataque pessoal.

Como resultado dessa combinação de falta de pensamento crítico e influência das redes sociais, vemos o crescimento desse cenário de hipersensibilidade no ambiente corporativo. O desconforto natural, e até esperado, provocado por críticas e orientações objetivas tem sido interpretado, erroneamente, como um ataque pessoal, o qual se transforma em matéria-prima para a nunca ultrapassada indústria das indenizações indevidas.

Infelizmente, entre os trabalhadores mais jovens, pertencentes a esta nova geração hiperconectada, a capacidade de dissociar críticas construtivas de julgamentos pessoais está se perdendo em meio à pressão por uma constante validação.

O autor e comediante britânico Ricky Gervais capturou essa dinâmica ao afirmar que “o fato de alguém se ofender não significa necessariamente que está certo.” Esse raciocínio é perfeitamente aplicável ao ambiente de trabalho. As críticas objetivas, que buscam melhorar o desempenho profissional e alinhar o colaborador com as metas da empresa, não devem ser vistas como algo ofensivo, mas como parte essencial do crescimento profissional. Ou seja, ainda que o contexto seja de proteção ao trabalhador, é essencial evitar que a emoção prejudique a capacidade de se analisar objetivamente os fatos.

Não se pode duvidar sobre a existência de ambientes rotulados, modernamente, como tóxicos, no entanto, os mesmos não são, necessariamente, decorrentes de um comportamento opressor, mas resultam, igualmente, de uma dupla omissão do poder público: primeiramente, na falha sistêmica do ensino, tanto público quanto privado, em capacitar adequadamente os jovens com habilidades de pensamento crítico e resiliência emocional, ferramentas essenciais para lidar com os desafios do ambiente profissional moderno; e, em segundo lugar, na ausência de regulação e fiscalização eficazes sobre as redes sociais, agravando a já crescente epidemia de danos à saúde mental que aflige as novas gerações da nossa mão-de-obra.

Portanto, o feedback honesto e rigoroso, quando feito com base em critérios técnicos e orientado ao aperfeiçoamento profissional, não deve ser interpretado como abuso ou humilhação. É um erro confundir desconforto com ofensa pessoal. Assim, não é raro que muitas das denúncias sobre rigor excessivo sejam fruto de uma interpretação subjetiva e hipersensível sobre as práticas de gestão, e sem qualquer parâmetro de comparação.

Estas percepções subjetivas e frágeis não podem ser tuteladas sem as necessárias ressalvas críticas, sob pena de que o cenário seja perigosamente agravado, sendo essencial destacar que o colaborador tem responsabilidade em gerenciar sua própria evolução profissional. Faz parte da ética do ambiente corporativo aceitar o feedback com maturidade, compreendendo que ele visa o crescimento e a correção de falhas. O desconforto inicial gerado por críticas é natural, mas é necessário que o colaborador entenda a crítica como ferramenta de melhoria, não como ataque pessoal.

Como visto, a hipersensibilização provocada pelo acesso desenfreado às redes sociais tem produzido efeitos profundos nas relações de trabalho e no ambiente corporativo, criando desafios significativos para a saúde mental dos colaboradores e para a eficácia organizacional.

Para mitigar esses impactos, é crucial que as empresas implementem políticas que joguem luz sobre esses hábitos nocivos praticados na esfera pessoal de cada trabalhador, gerando conscientização sobre a necessidade de promover uma higienização contra essas terríveis influências digitais, promovendo um ambiente de trabalho saudável, incentivando a comunicação aberta, oferecendo suporte psicológico e criando uma cultura organizacional inclusiva e respeitosa.

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